O tsunami dos problemas de saúde mental na população e a complexidade do tratamento psiquiátrico

 O tsunami dos problemas de saúde mental na população e a complexidade do tratamento psiquiátrico

Depressão, suicidio

Publicado em 10 de junho de 2020, às 16h57

O Sindsaúde-GO não mede esforços e de forma incansável, neste período tão difícil de enfrentamento da Covid-19, dá visibilidade ao artigo comentado, “Escolha de Sofia” na Psiquiatria?

A divulgação deste importante relato elaborado pela Equipe de Profissionais da Equipe do CAPS Esperança, se dá em um momento onde os números de casos de ansiedade e depressão apresentam um aumento vertiginoso e a procura por consultas psiquiátricas e tratamentos de psicoterapia medicamentoso tem sofrido um crescimento exponencial, causados pela pandemia do coronavírus, pelo isolamento social (como medida de prevenção do contágio) e as dificuldades econômicas e políticas enfrentadas pela população (desemprego, aumento da inflação, ausência de políticas públicas de controle social e nenhum plano emergencial efetivo para evitar o colapso social e econômico).

Entenda os tratamentos psiquiátricos e a grave realidade da saúde mental em Goiânia, na visão dos profissionais de saúde que cuidam dos diversos transtornos mentais da população, após a Portaria 170 de 25 de maio de 2020, que retira 36 medicamentos da lista da Relação Municipal de Medicamentos (REMUNE), pela óptica dos profissionais da saúde desta importante unidade de tratamento psiquiátrico.   

“ESCOLHA DE SOFIA” NA PSIQUIATRIA?

POR FAVOR, NÃO!

Estamos vivendo um momento atípico para nosso século. Apesar de conhecermos as diversas crises pelas quais a humanidade passou ao longo de sua existência, nossa sociedade ainda não havia encarando algo tão assustador e complexo como a pandemia do Covid 19 nos últimos 20 anos. De fato, encaramos uma crise sanitária, econômica e social sem precedentes, cujas respostas ainda se encontram obscuras, e a tomada de decisões administrativas, bem como as habilidades de gestão, se mostram muitas vezes como uma verdadeira “Escolha de Sofia”. Quando se trata de saúde mental, a “Escolha de Sofia”, ainda que um clichê metafórico frequente em textos e artigos sobre tomada de decisões, não pode ser ignorada sem antes   termos uma boa revisão literária sobre os tratamentos psiquiátricos e a realidade da saúde mental neste tempo de pandemia. Devido à dificuldade de realização de estudos científicos com rigor metodológico apurado durante este período de pandemia, não temos dados muito concretos sobre o aumento dos índices de transtornos e sintomas psiquiátricos frente ao enfretamento da Covid 19. Porém como nos ensina a metodologia do Arco de Maguerez proposto por Berbel (1996), a observação e problematização da realidade são ferramentas úeis para se entender as necessidades do momento e traçar medidas de atuação.

Observando nossa realidade, vemos diariamente nos noticiários sobre o número crescente de casos de ansiedade durante a pandemia Covid 19. O número de procura pelas consultas psiquiátricas e modalidades de psicoterapia tem sofrido um crescimento que já se mostrava desde dezembro de 2019, e com a emergência da pandemia temos observado um chamado “tsunami de problemas mentais”, conforme relatam especialistas da área. Um estudo preliminar da Uerj realizado entre o início da quarentena no Rio de Janeiro e as últimas semanas de abril deste ano, mostrou um aumento no número de depressão neste período em específico e piora de sintomas naqueles aos quais já tinham um transtorno mental prévio. A procura por atendimentos psiquiátricos levou até mesmo a uma regulamentação apressada da telemedicina, que até então ainda se encontrava em análise pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Os serviços de seguro de saúde e saúde suplementar mostraram uma crescente na busca por consultas on-line na psiquiatria de até 100 consultas ao dia nos planos. Não bastasse a realidade do aumento de procura de serviços de saúde mental e a incidência de sintomas de ordem psiquiátrica, um novo empasse se mostra com recorrência no horizonte daqueles que cuidam dessa população, a saber a dificuldade com a disponibilidade de medicamentos para tais quadros. Em março de 2020 tivemos a triste surpresa da falta de medicamentos importantes da psiquiatria como a Imipramina e Carbonato de Lítio que tiveram sua produção prejudicada nos laboratórios de origem.

Sobre as medicações em psiquiatria, na verdade o tema verdadeiro deste artigo, é preciso analisar com cuidado o uso de cada um antes de se apelar para uma “Escolha de Sofia”. O tratamento psiquiátrico é complexo, envolve medicamentos de diversas classes, com objetivos diferentes em cada caso, e com um perfil específico de efeitos adversos, mesmo entre medicamentos da mesma classe, e ainda um perfil de paciente que adere melhor a cada medicação.

Em outras palavras, nem sempre se consegue uma melhora dos sintomas usando medicamentos de uma única classe, e medicações de classes iguais devem ser alternados de acordo com situações específicas de cada paciente. Inicialmente, tomemos como análise o tratamento da depressão e dos transtornos ansiosos. Estudos randomizados mostram uma grande eficácia no tratamento da depressão e ansiedade generalizada com uso de antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) com grau de evidência A certificada por metanálises e estudos clínicos randomizados. Dos mais conhecidos ISRS temos a fluoxetina e sertralina, porém temos uma variedade maior de substâncias como: paroxetina, fluvoxamina, citalopram, escitalopram. Apesar de pertencerem à mesma classe e terem características semelhantes, cada medicação possui indicações muito peculiares que devem ser consideradas na hora da prescrição. Em mulheres gestantes, a Sertralina é considerada, conforme estudos, a medicação mais segura a ser usada com menores níveis placentários durante o uso, fato não detectado com a Paroxetina que se mostrou mais teratogênica durante a gestação, citalopram e escitalopram apresentam perfis semelhantes a Sertralina na gestação. No que diz respeito à lactação, a Paroxetina se mostrou a medicação com menor concentração no leite materno, enquanto citalopram demonstrou um aumento de sua concentração 2 a 3 vezes maior no leite materno. Ainda sobre essa classe, apresentamos diferenças no perfil de efeitos colaterais, o que por sua vez significa muito para a adesão do paciente.

A fluoxetina tem efeito anoréxico e em alguns casos piora de sintomas gastrointestinais como epigastralgia e náuseas, em casos de depressivos que estão associados a inapetência, a fluoxetina pode agravar tais sintomas, porém em pacientes obesos e com compulsão alimentar, é uma alternativa viável. Paroxetina é a molécula mais lipofílica de todas as ISRS, e por esse fator está muito associada à aumento de apetite e ganho de peso. Citalopram e Escitalopram são uma escolha regular para pacientes idosos por apresentarem uma menor interação medicamentosa, o que se mostra excelente para pacientes dessa faixa etária e com múltiplas comorbidades, necessitando assim de uma polifarmácia para estabilidade clínica de suas condições.

Quando tratamos a respeito dos casos de Transtorno obsessivo compulsivo (TOC), todos esses ISRS demonstrados acima tem eficácia limitada, sendo um tratamento efetivo a escolha da Fluvoxamina, associada a Imipramina ou Clomipramina. Ainda na depressão temos o uso frequente de antidepressivos tricíclicos, como Amitriptilina e Nortriptilina. Estes medicamentos são segunda escolha no tratamento da depressão, preferindo-se o uso de ISRS, porém também com eficácia importante e bons resultados.

Sobre as peculiaridades de cada paciente, é importante observar que os tricíclicos têm grandes efeitos sobre o ritmo cardíaco e condução sinoatrial, o que limitada seu uso em cardiopatas, sendo preferido o uso de ISRS nesses casos. A nortriptilina tem um aspecto importante a se considerar em idosos, se mostrando uma medicação que melhora ajuda no controle de incontinência urinária. A amitriptilina também tem eficácia comprovada no tratamento da fibromialgia. Abandonando a depressão, temos agora uma análise do tratamento do transtorno bipolar (TAB), o qual é um dos tratamentos mais complexos da psiquiatria, onde por vezes é necessário medicamentos de classes diferentes, em doses individualizados e de acordo com o período da doença. No TAB, o padrão de tratamento é o uso de controladores de humor, dentre os mais famosos temos o Carbonato de Lítio com maior eficácia comprovada nas crises e na prevenção de suicídio*. Mas como controladores de humor, o psiquiatra lança mão de outras duas classes de medicamentos: os antipsicóticos atípicos e os anticonvulsivantes*. Dessa forma, muitos pacientes são beneficiados com o uso de medicações como Topiramato, Ácido Valpróico ou Divalproato de sódio, Carbamazepina, Oxcarbamazepina, Lamotrigina. Estudos recentes mostram uma melhor performance de antipsicóticos atípicos no controle da mania e hipomania do TAB, com destaque para Quetiapina, Risperidona e Olanzapina.

Já que introduzimos aqui os antipsicóticos atípicos, faz-se necessário comentar sobre a esquizofrenia e seu tratamento. Tal doença se mostra como um transtorno mental grave com crises psicóticas sérias, sequelas sociais, funcionais e cognitivas, além de grandes repercussões na justiça e nas questões laborais. Por ser uma doença psicótica, é impossível que se consiga controle da mesma com outra classe medicamentosa que não sejam os antipsicóticos. Atualmente as recomendações e guidelines mostram que um melhor resultado com os antipsicóticos atípicos ou de segunda geração.

Ainda temos casos que necessitem do uso de antipsicóticos típicos, como haloperidol, clorpromazina e levomepromazina*. Existe ainda muitas vezes a necessidade de uso desses medicamentos em formulação injetável, uma vez que nas graves crises psicóticas é difícil a adesão à medicações orais, bem como o uso de formulações injetáveis de depósito, como Decanoato de Haloperidol, muito útil em pacientes com baixa adesão à medicação oral.

Por último, mas não menos importante, os benzodiazepínicos e os indutores do sono. Considerar tais medicações semelhantes ou que podem substituir umas as outras é um erro recorrente. Primeiro pelo perfil de atuação de cada uma delas. Quando pensamos em insônia, temos que avaliar junto ao paciente como tal sintoma se manifesta, podendo ser esta precoce, tardia ou a chamada de “despertares noturnos”. Se tratamos de um insônia que se manifesta precoce, ou seja, a dificuldade do paciente é em iniciar o sono, um indutor do sono como Zolpidem ou Zopiclona são as medicações indicadas, pois induzem o sono, tem meia vida de no máximo 5 horas e auxiliam na reeducação do perfil do sono. Apesar do aumento no uso dessas medicações, as mesmas não apresentam registros de dependências ou síndrome de retirada após cessar o uso das mesmas, por esse motivo, são uma opção em idosos, pacientes com perfil de dependência química, e uso de curto prazo. Pela própria explicação aqui acima, já percebemos que não se pode pensar apenas em usar indutores do sono para substituir os benzodiazepínicos (BZD). São classes diferentes, usos diferentes, objetivo diferentes, e perfil farmacológico diferente. Em pacientes que ainda não foram apresentados aos BZD, os indutores são uma opção para evitar que se desenvolva uma dependência aos BZD pelo simples fato de nunca serem prescritos. BZD também apresentam grandes diferenças entre as moléculas, tendo entre estes os que são de curta, média e longa duração, e devem ser prescritos de acordo com o quadro do paciente. BZD de curta duração como Alprazolam, Clonazepam são adjuvantes em outros tratamentos que não sejam a insônia, como a agitação psicomotora no TAB e Esquizofrenia, e no controle de sintomas somáticos de ansiedade e crises de pânico nos transtornos ansiosos. Na dependência de BZD, o desmame deve ser feito preferencialmente realizando a troca de um BZD de curta duração por um de duração média ou longa, dependendo do perfil da insônia apresentada pelo paciente.

Assim muitas vezes se faz necessária a troca de Clonazepam por Lorazepam ou Nitrazepam, de média duração, e talvez até por Diazepam ou midazolam dependendo do caso. Enfim, tentamos resgatar aqui como algumas referencias e denotações técnicas a necessidade que temos de ter a disposição dos serviços de saúde mental um arsenal medicamentoso variado para que o paciente seja atendido com respaldo cientifico e seguimento de protocolos que demonstram melhor eficácia, e tenha seu sofrimento abrandado com uso de medicações eficientes até que consiga recuperar e desenvolver seu capital mental por meio da psicoterapia e técnicas integrativas, e assim retome sua autonomia emocional e sua funcionalidade social, laboral e desfrute os prazeres da vida sendo capaz de vencer as adversidades que ela traz, como um dia este foi antes de adoecer e como todo ser humano tem o direito de viver.

Entendemos a situação de crise que vivemos, as dificuldades que encontramos nas áreas financeiras, gestão, e ainda por cima política. Sabemos que devido a crise, escolhas difíceis devem e estão sendo feitas, e muitas outras ainda estarão por vir. Porém, tudo que pedimos é que não tenhamos que fazer a “Escolha de Sofia” justamente com aqueles que foram obrigados a fazer esta escolha infeliz em suas própria vidas, depois de adoecerem por algo que eles mesmos nem sempre compreendem, e que lhes privaram de algo inato a todo ser humano: o prazer viver.

Profissionais da Equipe do CAPS Esperança

 

 

 

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