Saúde em Goiás: 10 anos de privatização de um direito social

O tema da privatização de serviços da saúde foi objeto de reportagem na ANC, sob o título Prefeitura quer privatizar vacinação contra Covid-19!. A ANC também cobriu manifestações dos servidores públicos municipais de Goiânia contra a privatização da vacinação contra Covid-19, por meio da matéria Sindicatos realizam ato contra a privatização da aplicação de vacinas em Goiânia.

Em face de processos privatistas em curso na saúde em Goiás, tanto no poder público estadual quanto no poder público municipal da capital, esta reportagem proporciona ao leitor uma compreensão mais abrangente acerca desse processo, posto que tem transformado progressivamente um direito social – o acesso a saúde pública – em serviço privatizado, ora diretamente pela via da estagnação da rede pública em contraste com a expansão da rede privada, ora indiretamente na forma de gestão por contrato por Organizações Sociais ou fundações, ou ainda pela transferência do que deveria ser política pública de saúde para ser concebida e encaminhada pela iniciativa privada.

Servidores públicos de Goiânia protestam contra Reforma Administrativa em Brasília, no dia 14 de setembro. | Foto: Igor Barreto

Servidores da saúde em luta contra as Organizações Sociais e as Fundações em Goiás

O movimento sindical de servidores da saúde de Goiás se posiciona francamente contrário às Organizações Sociais – que são entidades privadas de direito privado – e às Fundações – que são entidades públicas de direito privado –, que materializam a privatização da gestão de instalações e serviços de saúde. Inicialmente denunciam que se trata de descumprimento da Constituição Federal de 1988, posto que o texto constitucional prevê concurso para a ocupação de cargo no serviço público. Assim, as Organizações Sociais e as Fundações expressam o descumprimento da Constituição Federal.

Importante assinalar que a privatização da gestão do serviço público de saúde tem acarretado historicamente a precarização das condições salariais e de trabalho de ampla parcela dos trabalhadores da saúde. Generaliza-se graus de precarização do trabalho que ultrapassa em muito os contratos que vigoravam dentro dos limites da Consolidação das Leis do Trabalho, a exemplo da pejotização do trabalho. Ou seja, a privatização da gestão do serviço público se faz acompanhar da precarização e da hiperprecarização do trabalho.

O movimento sindical também reconhece na Organização Social e nos contratos de serviços um processo de usurpação do dinheiro público. Para além de descumprir a Constituição Federal, no que tange à garantia de um direito social público e à previsão de que os servidores públicos deverão ser concursados, não cumprem plenamente normas sanitárias, bem como estão envolvidos em suspeitas de corrupção.

Por fim, o movimento sindical de servidores da saúde realça o fato de que a transferência da gestão pública para Organizações Sociais e Fundações representa, objetivamente, a transferência da condução da política de saúde para o setor privado. Para Néia Vieira, enfermeira de formação, servidora pública estadual e municipal da saúde com função de auditora de sistema de saúde e analista em saúde, respectivamente, integrante dos Conselhos Estadual e Municipal de Saúde e vice-presidente do SindSaúde, o Estado declina de fazer política pública de saúde, o que envolve aspectos como perfil de atendimento, gestão de pessoas, números de leitos e quantidade de trabalhadores da saúde empregados nas unidades de saúde. Efetivamente, o poder público transfere para o setor privado o que deveria ser atribuição da política pública de saúde, que obviamente passa a ser operacionalizada sob a lógica de mercado, tendo o lucro como objetivo estrito, não a vida e a saúde da população que demanda pela saúde pública.

Uma década de terceirização da gestão pública da saúde

Em Goiás, estamos a completar 11 anos do início da entrega da gestão das unidades da saúde às Organizações Sociais. É mais do que necessário e possível um balanço desse processo.

O estado possui 17 unidades hospitalares geridas por Organizações Sociais. Muitas dessas unidades eram municipais, sendo estadualizadas e posteriormente transferidas para Organizações Sociais. As únicas unidades que ainda não estão sob este tipo de gestão são o Centro Estadual de Referência em Medicina Integrativa e Complementar (CREMIC) – o antigo Hospital de Medicina Alternativa (HMA) – e o Laboratório Central de Saúde Pública (LACEN/GO).

A Secretaria Estadual de Saúde possui aproximadamente 5 mil servidores públicos concursados distribuídos entre unidades de saúde e estruturas administrativas desta secretaria. A grande maioria desses servidores estão lotados em funções burocrático-administrativas, “parte deles, em desvio de função”, afirma Néia Vieira.

Os servidores concursados que se encontram nas unidades hospitalares e hemocentros compreende entre 20% e 30% do universo desses servidores de saúde. No início da atuação das Organizações Sociais havia ajuste de conduta entre o MP e o Estado, definindo que pelo menos 50% dos trabalhadores da saúde deveriam ser servidores públicos. Mas isso foi sendo alterado em face da não realização de concursos públicos e da pressão das Organizações Sociais para se “livrar” dos servidores públicos. Atualmente, os servidores públicos que se encontram nessas unidades não se apresentam dentro de uma proporcionalidade definida em relação aos servidores subcontratados, não obedecendo a qualquer lógica de distribuição. Portanto, os servidores subcontratados representam aproximadamente 70% dos trabalhadores, arregimentados por meio de contratos via CLT, de cooperativas de trabalho, de pejotização, entre outros.

Conforme Flaviana Alves Barbosa, que é farmacêutica, secretária geral do SindSaúde e servidora da Secretaria de Saúde de Goiás, a realidade da saúde sob gestão de Organização Social mudou para pior. É fato que a imagem de hospitais com estrutura externa degradada, com rachaduras e falta de pintura, deu lugar a prédios bem cuidados por fora. Todavia, no que tange às instalações internas e número de atendimentos o quadro não mudou, com equipamentos danificados, ambientes mal higienizados e enorme redução do acesso.

A imagem de hospitais superlotados também desapareceu graças às filas virtuais. Todavia, as filas para atendimento permanecem enormes, a falta de medicamento se mantém e a programação de cirurgias eletivas estão sempre atrasadas. De certo modo, as implicações da amplitude das filas virtuais criou uma situação ainda mais grave, seja com tratamentos que atrasam por conta de dificuldades de acesso aos medicamentos, seja processos deletérios de saúde pessoal por conta de atrasos de cirurgias eletivas. Enfim, trata-se de um processo que acentua situações dramáticas vivenciadas por parte da população que depende da saúde pública.

A realidade da saúde pública do município de Goiânia contrasta sob vários aspectos com a do estado de Goiás. A Secretaria Municipal de Saúde conta com basicamente 9 mil trabalhadores da saúde, sendo sua quase totalidade concursados. A privatização da gestão por Organizações Sociais não se consolidou no município como no estado, com presença expressiva reservada apenas a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (FUNDAHC), que realiza a gestão das três maternidades municipais – Maternidade Nascer Cidadão, Célia Câmara e Maternidade Dona Íris – por meio de contrato de gestão, reproduzindo basicamente o mesmo sistema de gestão das Organizações Sociais.

Néia Vieira atribui essa realidade à mobilização e luta sindical e, sobretudo, ao controle social do município de Goiânia, realizado pelo Conselho Municipal de Saúde e pelos trabalhadores e usuários. Mas salienta que são grandes as ameaças à política municipal de saúde exercida pelo poder público municipal quando se considera a presença paradigmática da FUNDAHC reproduzindo gestão privada autoritária e formas de trabalho precarizado, a presença de orientações pró-mercado do atual governo Rogério Cruz que realiza a indicação do gestor no Conselho Municipal e a ação de assédio que Organizações Sociais promovem sobre e por meio da representação dos usuários.

“terceirização da gestão por meio das Organizações Sociais não se prestou a superar problemas de atendimento às necessidades da população” – Flaviana Alves

Flaviana Alves, realizando um balanço de pouco mais de 10 anos de gestão pelas Organizações Sociais, é categórica ao afirmar que a “terceirização da gestão por meio das Organizações Sociais não se prestou a superar problemas de atendimento às necessidades da população que demanda saúde pública. Veio como parte do processo de precarização da saúde de seus servidores”.

Desafio quase intransponível: auditoria das Organizações Sociais realizada pela gestão

Os contratos de gestão das unidades hospitalares, dependendo de aspectos como o perfil de atendimento, envolvem montantes que podem ultrapassar a casa dos R$ 10 ou R$ 15 milhões mensais, variando de R$ 100 a R$ 150 milhões anuais, ou ainda mais.

Os contratos das Organizações Sociais deveriam ser submetidos a uma auditoria rigorosa, com vista o cumprimento de metas, bem como levantamento de serviços pagos, mas não realizados, o que acarreta na redução do número de consultas, na relação declinante entre número de trabalhadores da saúde e demandas sociais, entre outras questões. Todavia, não são auditados corretamente pelo Sistema de Auditoria do SUS (Sisaud/SUS). Néia Vieira salienta que esse sistema tem servidores com autonomia e competência técnica. Todavia, é comum a presença na gerência de pessoas de fora da saúde, sem compromisso e engajamento.

Há uma carência de planejamento adequado para a realização de auditoria, posto que, embora o Sistema de Informações do SUS permita a realização de levantamento e se tenha a prerrogativa de fazer visitas locais, com vista a uma auditoria completa, o perfil de determinados gerentes compromete o referido planejamento, o que evidencia que o governo do estado não tem esse interesse no controle e monitoramento. Essa realidade compromete a comprovação de possíveis conluios entre Organizações Sociais e partidos políticos, como sugere a expressiva movimentação de ex-superintendentes de governos se convertendo em diretores de Organização Sociais.

O descumprimento de contrato por parte das Organizações Sociais é uma constante ao longo destes pouco mais de 10 anos de gestão privada da saúde em Goiás, entretanto, não se observa a suspensão dos repasses quando do descumprimento dos contratos, denuncia Flaviana.

Embates político-jurídicos em torno da gestão por Organizações Sociais na saúde

Em Goiás, as origens do embate político em torno da gestão hospitalar por Organizações Sociais remetem a 2010, quando teve lugar um debate intenso acerca das implicações da adoção dessa forma de privatização da gestão e da generalização das formas de contratação de trabalhadores da saúde fora de concursos públicos. Em contraposição ao Governo Marconi Perillo e sua base aliada, que propunha a entrega da gestão das unidades de saúde a Organizações Sociais, pode-se destacar a atuação da Frente Goiana Contra a Privatização da Saúde, com a professora da UFG Jaqueline Lima liderando profissionais da saúde, entidades da sociedade civil, professores e estudantes, e o Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde de Goiás (SindSaúde Goiás), mediante atuação da sua diretoria e sua base organizada.

Todavia, a privatização da saúde e precarização de seus servidores precedem a essas “origens”. As referidas privatização e precarização tiveram como prenúncio a forma de gestão e de contratação dos trabalhadores da saúde do Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer) em 2002, com sua gestão sendo entregue à Organização das Voluntárias de Goiás (OVG) e seus servidores sendo contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Posteriormente, a sua gestão foi transferida para uma Organização Social, com a totalidade dos seus trabalhadores sendo celetistas

Em 2011, veio a ser efetivada a gestão por essas organizações no Hospital de Urgências de Anápolis (Huana), no Hospital de Urgências da Região Sudoeste de Goiás (Hurso), no Hospital Geral de Goiânia (HGG), no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), no Hospital de Doenças Tropicais (HDT) e Hospital Materno Infantil (HMI).

A primeira ação judicial movida contra a gestão por Organizações Sociais nas unidades de saúde anteriormente citadas, no âmbito da Justiça Federal, ocorreu em 2011. Todavia, não tiveram êxito, pois esta atuação estava respaldada pela Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, que regulamenta a atuação das Organizações Sociais, além do fato de que a descentralização dos recursos econômicos por parte do Governo Federal, em favor dos estados e municípios, remetiam às ações judiciais possíveis para essas unidades administrativas. Já a Lei nº 15.503, de 28 de dezembro de 2005, regulamenta a atuação das Organizações Sociais no estado de Goiás, o que restringiu ainda mais a possibilidade de êxito quanto a ações judiciais contra a atuação dessas organizações.

Um embate muito importante ocorreu em 2011, quando o Governo Marconi Perillo buscou suspender um concurso público realizado para suprir servidores públicos da saúde, com vista a transferir a gestão das unidades hospitalares para gestão por Organizações Sociais, que realizariam a contratação dos servidores via CLT. Efetivamente, procurava à época “transferir a gerência de quatro grandes hospitais do Estado (quais sejam: HUAPA, HGG, HUGO e Materno Infantil) para Organizações Sociais”.

Em face da mobilização de entidades de servidores públicos da saúde e movimentos sociais e políticos diversos, o MPE-GO, na pessoa da promotora de justiça Marlene Nunes Freitas Bueno, promoveu ação civil pública, com vista a “manter a mão de obra composta por servidores públicos nas Unidades de Saúde do Estado de Goiás, as quais passarão à gerência de Organizações Sociais (OSs)” e “retificar o edital de chamamento público nº 005/11, cujo objeto é a contratação de Organização Social para gerência do Hospital Geral de Goiânia Dr. Alberto Rassi (HGG), para suprimir a previsão da organização social contratar pessoal, com a ressalva da possibilidade de contratação pela OS no caso de inexistência de profissional de notória especialização nos quadros da Secretaria de Estado da Saúde”. Essa ação político-jurídica, após vitória em primeira instância, foi derrotada em segunda instância da Justiça.

A derrota da ação político-jurídica foi seguida de ações individuais por parte dos concursados, com vitórias que redundaram em tomada de posse nos cargos públicos por mais de 90% dos candidatos aprovados. Todavia, ações de constrangimento foram relatadas por inúmeros servidores públicos que tomaram posse e que foram trabalhar nas unidades geridas por Organizações Sociais, levando grande parte deles a pedir a rescisão de contrato de trabalho junto a Secretaria Estadual de Saúde.

Um terceiro embate político-jurídico ocorreu por meio da promotora de justiça Fabiana Zamalloa, que entrou na Justiça por meio de ação civil pública contra a entrega da gestão das unidades de saúde a Organizações Sociais, em 2012. Todavia, próximo de completar uma década, o processo ainda não foi concluído.

O quadro foi um pouco mais favorável no que tange ao enfrentamento das formas mais brutalizadas de hiperprecarização dos trabalhadores da saúde. O Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPT-GO), provocado por movimentos e entidades de servidores da saúde, abriu uma investigação para verificar a legalidade de certas contratações de profissionais da saúde por hospitais públicos estaduais geridos pelo Instituto dos Lagos Rio, uma Organização Social que gere os Hospitais de Campanha (HCamp) de Águas Lindas e de São Luís de Montes Belos, além das Policlínicas de Posse, Quirinópolis e Goianésia.

Com vista a coibir a pejotização na contratação de profissionais da saúde, a procuradora do Trabalho Milena Cristina Costa, responsável pelo inquérito, encaminhou à referida Organização Social duas orientações: não realizar processo seletivo para contratação de pessoas jurídicas formadas por profissionais da saúde, que por exemplo configurava a prática ilegal de contratar médicos como pessoa jurídica – ou pejotização – por parte de Organizações Sociais que administram hospitais públicos; e promover processo seletivo para a contratação de pessoas físicas para atuarem nas unidades de saúde administradas pela instituição no estado. O órgão já ajuizou ações na Justiça do Trabalho em face das seguintes Organizações Sociais: Instituto Gestão e Humanização (IGH); Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde (INTS); Instituto de Medicina Estudos e Desenvolvimento (IMED); Instituto Brasileiro de Gestão Hospitalar (IBGH); Associação de Gestão, Inovação e Resultados em Saúde (AGIR); e Instituto de Gestão em Saúde (GERIR). Esse processo foi determinante para a contratação de trabalhadores da saúde pela CLT.

Todavia, no correr do tempo esse quadro foi se modificando. Em primeiro lugar, mediante a subcontratação de empresas pela Organização Social, encarregadas serviços médicos, operacionalização de exames, gestão da urgência e emergência da rede hospitalar, de limpeza, nutrição, processamento de materiais, lavanderia, transporte, entre outras. Mas essas empresas subcontratadas, por sua vez, contratam trabalhadores via cooperativas de trabalho, que são efetivamente empresas que intermediam a contratação de trabalhadores de contrato temporário e de trabalho intermitente, via pessoa jurídica – ou “quarteirização” do trabalho –, que não recebem direitos trabalhistas como 13º salário e férias e que frequentemente estão sob condições degradantes de trabalho.

A ação civil pública encaminhada pela procuradora do trabalho Milena Cristina Costa contra o Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde (INTS) que administra o Hugo, em 2020, foi mais uma ação contra esse processo de precarização, que segundo a procuradora as Organizações Sociais buscam contratar trabalhadores como “pessoas jurídicas em detrimento dos profissionais de saúde como pessoas físicas e isso traz prejuízos” (O Popular, 05/10/2020).

Essa ação civil pública se arrasta há mais de um ano e não é julgada. A sentença em favor desta ação poderia abrir espaço para não somente a contratação de trabalhadores celetistas pelas Organizações Sociais, mas sobretudo para a realização de concurso público para os trabalhadores da saúde junto a Secretaria de Saúde Estadual.

Servidores públicos de todo país se reunem contra a Reforma Administrativa em Brasília, no dia 14 de setembro. | Foto: Igor Barreto

A transformação do direito ao serviço público em serviço privado

Deve-se ter claro que a gestão privada de instituições e órgãos públicos na sociedade brasileira é parte integrante do processo de reforma administrativa em curso desde os anos 1990, encaminhada em um contexto abrangente de reformas neoliberais e flexibilização concentradas em abertura e desregulamentação econômica, privatizações e políticas de austeridade fiscal.

Nessa fase, focava-se na infraestrutura burocrático-administrativa do Estado por meio da EC 19-1998 (Reforma Administrativa), da EC 20-1998 (Reforma da Previdência) e da Desvinculação de Receitas da União (DRU), que passou a permitir desvios de recursos públicos para compor superávit fiscal primário. Todavia, também emergiu o início da quebra da exclusividade do Estado na oferta de serviços públicos para garantir atuação de Organizações Sociais – Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998 – e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) – Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999.

Com o advento da crise capitalista internacional de 2008, com consequente queda das taxas de acumulação do capital, instituições multilaterais como o Banco Mundial e o FMI reorientaram as reformas neoliberais em direção da reconfiguração do Estado, sobretudo em termos de redução da estrutura administrativa e da oferta de serviços públicos, bem como generalizando a gestão privada de instituições e órgãos públicos.

Os primeiros países que vivenciaram essas “novas” reformas administrativas foram os chamados PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), com características deletérias ao serviço público e seus servidores, como “restrições” orçamentárias, parceria público-privada, privatização da gestão de órgãos e instituições públicas, enxugamento das carreiras, novas regras de aposentadoria e novas formas de reposição da força de trabalho. Esse padrão de “novas” reformas administrativas chegariam com mais força nos países capitalistas periféricos extra-europeus e suas unidades federativas a partir de 2010, a exemplo do Brasil.

Aqui, tal processo recebeu amplo marco legal aprovado durante o Governo FHC, mas foi continuado no Governo Lula por meio da chamada parceria público-privada (Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004), por exemplo, no arrendamento do setor aeroportuário em favor da iniciativa privada. No Governo Dilma Rousseff, por sua vez, para além da sanção da MP 676/2015, transformada na Lei 13.183/2015, impondo novas regras de aposentadoria e vetando desaposentação, deu curso nos estados expressivo avanço da terceirização do serviço público via Organizações Sociais sem qualquer contestação do governo federal.

Todavia, a transformação do direito ao serviço público em serviço privado foi aprofundado implacavelmente após o Golpe de Estado de 2016 mediante a aprovação da PEC 55/2016 (Lei do Teto dos Gastos Públicos), da PEC 06/2019 (Reforma da Previdência), da PEC 186/2021 (PEC Emergencial), com avanço destrutivo incomensurável caso a PEC 32 venha a ser aprovada em 2021. Novamente foi realçada a multiplicação de contratos de gestão entre Estado e Organizações Sociais.

Em síntese, o avanço da transferência da gestão pública para Organizações Sociais é parte do processo que tem em vista destruir o serviço público e transformar direitos em serviços cobrados à população por empresas e bancos. Processo que se materializa no estancamento do serviço público e queda proporcional em relação aos serviços privados ofertados pelo mercado a quem possa pagar por eles, bem como na oferta de serviços formalmente públicos, articulados mediante subfinanciamento, de baixa qualidade, sob gestão privada e realizado por trabalhadores e trabalhadoras precarizados ou hiperprecarizados.

Um balanço das Organizações Sociais na saúde em Goiás

As denúncias realizadas pela Frente Goiana Contra a Privatização da Saúde e pelo SindSaúde nos debates de 2010, quando se previa que a transferência da gestão para Organizações Sociais acarretaria redução do número de atendimento, queda da qualidade desse atendimento, perda ou transferência da política de saúde para o setor privado, aumento de denúncias de corrupção, generalização da precarização do trabalho na saúde e elevação das despesas dos governos com ações trabalhistas, foram confirmadas nesses pouco mais de 10 anos de Organizações Sociais.

No âmbito do poder público estadual, a reocupação da gestão pública das unidades de saúde demanda um longo processo de reconstrução que envolve, pelo menos, a reafirmação de forças políticas à frente do estado que tenham compromisso com a sua desprivatização, a criação de um amplo processo democrático de debate e deliberação que envolva representação dos trabalhadores e organizações da sociedade civil comprometidas com a defesa e construção da saúde pública, a recomposição do sistema e quadros técnicos de gestão e a retomada de concursos públicos para o preenchimento de milhares de cargos da saúde com funções atualmente desempenhadas por trabalhadores celetistas e terceirizados.

No âmbito do poder público municipal de Goiânia, a tarefa primordial é fazer frente à onda privatista que está sendo implementada pelo Governo Rogério Cruz, derrotando-o.

Matéria na íntegra: Cerrado – Agência de Notícias

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